O barulho efervescente encheu o copo e enevoou as estrias, provando por a mais b que a temperatura da bebida era tudo aquilo que ela esperava. “Mulher que bebe em balcão? Não com esses trajes, esse cabelo, essa postura”, pensou Heitor, encostado no pilar. Observava Rosemarie há poucos segundos e já havia formado uma profunda opinião sobre ela. “Deve ser uma cocotinha burra que acha que pode ser rude só para mostrar que sabe fazer algo além de falar sobre novela”. Rosemarie acendeu um cigarro, virou-se, esfregou as costas no balcão. Ainda não havia reparado no moleque bestinha que fazia pose de superior mesmo enfiado numa camisa brega com um cinto ainda mais lamentável.

Rose e Antenor dançavam juntos porque gostavam de dançar e não porque gostavam um do outro de modo romântico. Vinham no Fusca do pai dele, com rádio ligado no máximo, buzinando para todos os pedestres e cachorros de quatro patas que transitassem pelas calçadas. Ninguém entendia muita coisa, mas era certo que eram apenas amigos. Até porque, a cada duas ou três danças, Rose dava uma folga, ia buscar sua própria cerveja e o pé de valsa tinha carta branca pra dançar com quem quisesse.
Olha lá, e não era o Antenor no meio do salão com uma das meninas da Fanta de canudinho? Acenou com a cabeça e o parceiro no crime respondeu com uma piscadinha, mostrando a língua de modo constrangedor. “É, tio, vou ter que pegar um táxi”, disse, se debruçando sobre o balcão. O garçom lavava copos e sequer ouviu, ou fez que não ouviu. Ela apagou o cigarro, verificou os pertences na bolsa e saiu em direção à porta. Nem mesmo o garçom estava lhe dando atenção, achou melhor ir embora para casa.
Sentado na escada, olhando o movimento da rua, Heitor bebericava direto da garrafa. Pousou-a para coçar a perna e só ouviu o estilhaço, seguido de um palavrão. “Meeeerda”. Era a pseudo-rebelde do balcão que acabava de chutar a cerveja. “Eita, tansa”, falou sem perceber que estava pensando alto. “Tansa é a tua vó, que te dá essas camisas de Natal”, respondeu Rose. Ela xingou o sapato e desceu os degraus restantes desviando dos cacos e ajeitando o cabelo.
“Eii, a minha cerveja!”. Heitor era filho único e, portanto, do tipo mimado. “Estava na metade e eu ainda quero o resto!”. Rosemarie parou no meio da brita. Abriu a bolsa, tirou o porta-moedas e se voltou em direção ao infeliz da escadaria. “Compra outra e vê se aprende a usar copos”, resmungou, estendendo a pilha de moedas. Heitor colocou as mãos no quadril, fez cara de cínico e lançou o desafio. Se era para beber no copo, que ela ensinasse, que fosse lá dentro comprar e mostrasse as maravilhas de ser uma pessoa teoricamente civilizada.
Comprou a cerveja, pediu dois copos e voltou para o topo da escada. Encostou o tronco na parte fechada da porta e serviu o moleque malcriado. Ele ergueu a taça como quem pedia um brinde, mas ela ignorou, reparava nos traços do pretensioso com quem agora dividia a cerveja. Muito magro, cabelo um pouco desgrenhado, nada de barba. Ele percebeu o interesse da garota e se sentiu bem. “Qual sua novela preferida?”, perguntou Heitor, em tom irônico.
Quatro a cinco cervejas depois, entre garrafas buscadas por ela ou por ele, descobriram que ela não gostava de novelas, que ele realmente não sabia se vestir, que torciam pro mesmo time de futebol. Tinham o mesmo senso de humor, por isso riram, gargalharam e trocaram olhares... várias vezes. Nisso, o sol já havia baixado e agarrado na menina da Fanta, lá vinha Antenor, tentando descer a escadaria sem tropeçar.
Ao longe, um idiota qualquer encostado numa Brasília começava a esbravejar. Aline tinha namorado. E o namorado era burro feito uma mula, mas grande feito um cavalo. Antenor, coitado, estava mais para pangaré. Naquela noite, apanhou muito, perdeu dentes, rasgou a camisa e foi humilhado defronte o Clube. Pior de tudo, fez Rose deixar para trás os copos de cerveja na escadaria.